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Bullying Escolar

O bullying é um tema delicado e controverso. O seu enquadramento jurídico é uma questão ainda mais complexa. Não é fácil aceitar a violência entre crianças e jovens. Esta forma de exercício de violência escolar é amplamente estudada por várias áreas científicas, nomeadamente, a psicologia, a sociologia e a pedagogia, que permitem ao Direito “olhar” para esta realidade de uma perspectiva mais completa e equilibrada. O bullying é uma manifestação perfeita de como a prática jurídica tem de andar de mãos dadas (sempre!) com outras ciências e áreas de saber que permitam adaptar eficazmente as disposições e definições legais ao dia-a-dia.


Os efeitos traumáticos sofridos pelas vítimas do bullying são amplamente reconhecidos, entre eles: o isolamento da criança, depressão, diminuição do aproveitamento escolar, autoagressão, culpabilização, para além de toda a panóplia de agressões corporais de que a criança pode ser alvo (escoriações, cortes, etc) ou mesmo, no extremo, homicídio ou suicídio. O bullying é um assunto demasiado sério. Apesar da intensa dinamização de informação sobre esta forma de violência entre crianças e jovens muitos pais ainda a desvalorizam. Esta atitude tem efeitos extremamente censuráveis num curto e longo prazo: a não intervenção precoce leva ao desenvolvimento de traumas na criança que se não acompanhados de origem podem levar a quadros graves de ansiedade, isolamento e depressão ou mesmo ao suicídio e não permite referenciar o agressor, o que minará a comunidade escolar em que se encontra inserido.




Existe ainda alguma discórdia entre os estudiosos sobre o bullying, em primeiro lugar, na delimitação daquilo que é bullying e do que não é. Há quem defenda que só consubstanciam uma situação de bullying escolar os comportamentos de agressão física, verbal ou os boatos e intimidações, reiterados e não as agressões pontuais ou isoladas. Por outro lado, entendem uns ser exclusivamente bullying uma forma de violência exercida por um elemento, que se apresenta como superior, contra um elemento mais fraco, ou que se vê como mais fraco, incapaz de reagir contra a agressão de que é alvo; outros consideram demasiado redutora esta definição, acrescentando quaisquer outros comportamentos agressivos entre dois elementos mesmo com estatuto equivalente. A delimitação daquilo que é bullying mostra-se ainda especialmente complexa, correndo-se até o risco de hiperbolização, na sua distinção das brincadeiras e piadas típicas da interação grupal que, em certos momentos da vida do jovem, nomeadamente durante a adolescência, assumem uma particular relevância. Por fim, a evolução tecnológica e a introdução no dia-a-dia das crianças e jovens das redes sociais, potenciou o aparecimento de um novo tipo de bullying, o cyberbullying, que apresenta características particulares que merecerão uma abordagem diferenciada.


Estas questões relevam principalmente para a delimitação do objecto sobre o qual incidirão as previsões legais e as respectivas estatuições.


Faz sentido falar na criminalização do bullying?

No meu entender, sim. Por vários motivos que, aliás, deram origem À Proposta de Lei n.º 46/XI/2.ª, de 9 de Dezembro de 2010 que, infelizmente, acabou por caducar. A criminalização traz vantagens importantes no combate ao flagelo que é o bullying, nomeadamente, dado o efeito dissuasor que teria perante os bullies: a tomada de consciência por parte dos jovens de que o bullying é um crime, a par com o crime de homicídio, de roubo ou de ofensa à integridade física, por exemplo, modelaria o seu comportamento, evitando-o ou mesmo erradicando-o. Pode parecer uma perspectiva demasiado radical, mas o bullying também é radical: o bullying já levou a um avultado número de suicídios em todo o mundo, de entre os quais de crianças de idades muito jovens, 8,9, 10 anos. A criminalização do bullying despertaria um novo olhar nos jovens, um olhar mais consciente e o Direito surgiria aqui como uma peça fundamental para garantir o bem-estar e a segurança das nossas crianças. Por outro lado, a criminalização do bullying, sendo este um crime público, permitiria que se prescindisse da existência de uma queixa para que o Ministério Público pudesse actuar.


Além mais, aqueles que estariam abrangidos pela estatuição pelo crime de bullying para efeitos do Código Penal seriam somente os maiores de 16 anos, já que os menores de 16 anos são considerados inimputáveis, o que significa que não podem ser responsabilizados criminalmente. Como explica Dulce Rocha, procuradora do Ministério Público e vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança (aqui): “Segundo a Lei Tutelar Educativa, um jovem com mais de 12 anos que cometa um crime é “julgado” num Tribunal de Família e Menores, enfrentando penas como a admoestação, prestação de tarefas a favor da comunidade, frequência obrigatória de programas formativos, acompanhamento psicológico ou, nos casos mais graves, internamento num centro educativo. Com menos de 12 anos, aplica-se a lei de promoção e proteção de crianças e jovens em risco, que não prevê ‘castigos’. “A nossa legislação entende que até essa idade compete à família fazer a criança compreender que o ato de violência é inadmissível. Se os educadores se mostrarem incapazes de o fazer e forem uma influência negativa, a criança pode ser retirada à família”. Logo, o efeito importantíssimo da criminalização que daqui se retira seria a possibilidade dos jovens entre os 12 e os 16 anos cumprirem algumas das medidas da Lei Tutelar Educativa.




Qual é o enquadramento jurídico actual do bullying?

Ora, ainda não estando tipificado com crime, tal não significa que não existam disposições legais que advirtam para o efeito pejorativo da prática do bullying. A Lei n.º 51/2012, de 05 de Setembro que estabelece o Estatuto Do Aluno e Ética Escolar adverte para diversos deveres dos alunos no contexto da organização escolar, condenando a violência. A Lei Tutelar Educativa poderá ainda ser aplicada a jovens entre os 12 e os 16 anos de idade havendo o cometimento de algum dos crimes tipificados no Código Penal, nomeadamente, a ofensa à integridade fica ou injúria, ainda que, genericamente, o crime de “violência escolar” não se encontre tipificado.


Há aqui um papel importantíssimo a ser levado a cabo pelos pais, pelas escolas, pelas Comissões de protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) e, finalmente, pelos tribunais de família e menores.


A melhor abordagem é a da prevenção, a do trabalho participado junto dos jovens, a promoção pela própria rede educativa de soluções concertadas que propiciem um bom ambiente entre os estudantes, impedindo a formação de elites (nomeadamente através da não existência de “turmas de elite” e de “turmas problemáticas”). No fundo, o combate ao bullying parte de cada um de nós: como cidadãos informados, cabe-nos alertar e consciencializar as nossas crianças dos efeitos nefastos deste tipo de comportamentos.


Só falta acrescentar o que me vai no coração: uma educação com amor e com valores forma crianças cheias de amor e guiadas pelos valores que lhes foram transmitidos.


Na educação, na família, está 99% daquilo que somos. Vamos desempenhar bem o nosso papel.


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