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Violência obstétrica. Luta pelos direitos das mulheres.

Não sou mãe ainda. A perspectiva de que vos escrevo não pode assim ser a da mãe mas a de alguém que se preocupa muito com a mãe, com a mulher, com a criança, com a família. Não falarei numa perspectiva puramente jurídica, porque mais uma vez reitero, o Direito não vive numa realidade paralela à de todos nós, o Direito está presente no nosso dia-a-dia e anda de mãos dadas com as mais variadas ciências e áreas de saber. E, por fim, falarei na perspectiva de alguém muito sensível a estas questões e que trilha diariamente, neste espaço, uma pequena grande luta para a defesa dos direitos da família, da criança onde, naturalmente, se incluirá o momento do parto.




Começando por comentar o estudo recente ("Experiências de Parto em Portugal", realizado pela Associação Portuguesa Pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto) que vem revelar dados perturbadores sobre o nível de satisfação das mulheres sobre o parto em hospitais públicos, algumas revelando mesmo terem sido vítimas de violência por parte dos profissionais de saúde que as assistiram. É preciso reflectir. Em primeiro lugar, não é realidade distante para nenhum de nós o conhecimento de um ou outro relato por parte de uma mãe sobre uma experiência negativa durante o parto. Clarifique-se: é sabido que o parto é um momento em que a mulher terá de lidar com a dor física que sente enquanto o corpo se prepara para parir a criança e não é ao desconforto natural e necessário a que nos referimos quando falamos de violência obstétrica. Falamos de outras situações muito complexas: ou porque a equipa médica recusou seguir o plano de parto proposto pela mulher (infra), ou porque a grávida esteve demasiado tempo no serviço até que o parto tenha sido efectivamente realizado, ou porque realizaram “toques” desnecessários só para treinar os estagiários ou porque esteve demasiado tempo sozinha, tendo-lhe sido negada a presença de algum familiar. Muitas seriam as situações que se poderiam elencar e que, aliás, são descritas no artigo do Observador (aqui). Como podem imaginar não me pronunciarei sobre qualquer das decisões assumidas pelos colegas médicos, na medida em que não disponho de conhecimentos nessa matéria, não é essa a minha área de estudo, como tal, não faria qualquer sentido pronunciar-me sobre aquilo que deveria ou não deveria ter sido feito, além mais, tenho uma enorme estima pelo serviço nacional de saúde e uma enorme crença nos nossos profissionais da área da saúde. No entanto, face às últimas notícias que a conta-gotas têm sido conhecidas pelo público, no assumir de uma voz uníssona de várias mulheres que revelam a violência a que foram expostas durante o parto e ao facto de apontarem esse momento como um dos piores por si já vivenciados, é assunto merecedor da atenção da sociedade civil e é absolutamente necessário que o Direito se mostre apto para acautelar estas situações.


O excesso de intervenção durante o parto, quando é sabido pelas directrizes gerais emitidas pela Organização Mundial de Saúde que o parto deverá ser o mais natural possível, o corpo feminino está programado para parir; o intenso recurso às cesarianas (Portugal é um dos países do mundo com taxa mais elevada de cesarianas!) quando ainda não foi possibilitado à mulher parir pelas vias normais, a standardização da posição em que a mulher tem de parir (sentada, pernas abertas, joelhos recuados); o recurso a ocitocina sintética (medicamento que induz as contracções); o recurso à (terrível e considerada perigosa ela OMS) manobra de Kristeller (atenção, que o vídeo é uma gravação de um parto real, com conteúdo gráfico: aqui), são realidades que precisam de uma reflexão urgente! A mulher tem de ser informada durante todo o parto dos procedimentos em curso e de dar o seu consentimento informado sobre aquilo que quer ou o dissentimento sobre o que não quer que seja feito: é um direito básico dos utentes sujeitos a intervenções hospitalares e da mulher em trabalho de parto enquanto tal!





Mecanismo preventivo: plano de parto. Tenho direito a fazer o meu?


O plano de parto é uma declaração onde a mulher esclarece aquilo que quer e aquilo que não quer que aconteça durante o parto. Por exemplo, é um direito da mulher recusar a administração da epidural e tal poderá desde logo vir esclarecido no plano de parto, enviado antecipadamente ao hospital onde a mulher espera parir para a respectiva homologação. A mulher poderá mencionar qual a posição em que quer parir, se quer utilizar a bola de Pilates, etc. O cumprimento do plano de parto, dentro das dificuldades daquele parto em concreto ou na medida daquilo que seja exequível, é um direito da mulher que tem de ser respeitado pela equipa médica. O hospital terá de se pronunciar antecipadamente sobre a viabilidade do plano de parto e mostrar-se disponível para discutir eventuais alternativas às propostas feitas pela grávida que vão de encontro ao seu estado clínico e às limitações do próprio hospital, mas que respeitem sempre a vontade da mulher.

A mulher poderá ainda ter consigo uma doula, que garantirá que a sua vontade será respeitada no momento do parto e que lhe possibilitará um acompanhamento individualizado em todo o trabalho de parto. É uma opção da mulher. Tal não significa que as mulheres sem doula sejam menos acompanhadas, é importante é que a sua vontade seja esclarecida e os seus direitos respeitados.


Muita informação relevante sobre o tema (aqui).





Onde pode a mulher vítima de violência obstétrica denunciar a equipa/ profissional de saúde?

A queixa deverá ser apresentada à Entidade Reguladora da Saúde e poderá ser feita através de preenchimento de formulário na Internet (aqui). Se a violência tiver sido exercida por um profissional de saúde em concreto a queixa deverá ainda ser endereçada à Ordem dos Médicos ou à Ordem dos Enfermeiros, consoante o caso concreto.

Por outro lado, apesar de não existir uma definição na lei portuguesa do que é a violência obstétrica, existe a possibilidade da mulher recorrer judicialmente através de uma acção por ofensa à integridade física ou danos morais sofridos durante o parto, devendo assim pedir ajuda a um advogado que a oriente e lhe dê aconselhamento nesta matéria.


É preciso estar alerta, é preciso denunciar, não ter medo, não fechar os olhos. Há apoio para estas mulheres, veja-se o maravilhoso projecto levado a acabo pela Human Rights in Childbirth (aqui) e pela Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (aqui). Mas, mais importante que tudo, é preciso formar de raíz médicos e enfermeiros obstetras mais conscientes, mais sensíveis, mais despertos para o momento que a mulher vive enquanto pare, tratando-a com a dignidade que merece naquele momento e optando sempre por aquilo que mais for ao encontro do que esta quer para si e para o seu bebé. Um parto menos humanizado não é uma utopia e contribuirá para fazer daquele momento um dos mais bonitos da vida da mulher.


Nós somos pelo amor.


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