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Filhos de pai incógnito. Quando acontece? O que posso fazer?

Quando falamos de filhos de pai incógnito falamos de todas as crianças cuja conexão a uma figura paterna inexista no registo civil, pelo menos. Curioso é que a nossa legislação não permite que sejam registadas crianças sem pai. Proíbe, mas acontece, contra legem, por força de não melhor solução existir: as crianças têm de ser registadas como cidadãs do Estado português, com ou sem pai identificado.




A matéria dos filhos de pai incógnito subdivide-se, essencialmente, em três grandes fatias: a das crianças geradas por metodologias de procriação medicamente assistida, como a fertilização in vitro, realizada por mães solteiras; a das mulheres com vários parceiros sexuais que desconhecem quem foi o dador de material orgânico para aquela gestação e os casos em que o pai se recusa a assumir a paternidade da criança. Exploremos cada um deles sucintamente.


O recurso à fertilização in vitro, havendo doação de material genético masculino, por mulheres solteiras que pretendiam ser mães era, em Portugal, até então, prática proibida por lei. Assim, muitas mulheres recorreram a tratamentos no estrangeiro, particularmente na nossa vizinha Espanha, para que pudessem, sem parceiro, gerar uma criança. No regresso a Portugal com a criança a mãe era chamada ao Tribunal de Menores da sua área de residência onde se desencadeava um processo de averiguação oficiosa da paternidade. Este processo terminava sem resultados, o doador de esperma tem a sua identificação protegida, pelo que nunca poderá ser reconhecido como pai (tal consta inclusive da lei). No fundo, desperdiçavam-se recursos ao despoletar um processo sem sentido. Agora, com a esperada aprovação e (promulgação!) da nova lei de Procriação Medicamente Assistida espera-se que seja finalmente regulada e estabelecida a forma de registo destas crianças, fruto de fertilização in vitro.

Nas situações em que as mulheres têm vários parceiros sexuais e desconhecem qual será, efectivamente, o pai da criança existem mais passos a percorrer. Em primeiro lugar é imperativo estabelecer em que momento se deu a concepção daquele bebé. A lei resolve-nos este primeiro problema, dizendo que a concepção tem lugar nos primeiros 120 dias, dentro dos 300 que precederam ao nascimento da criança. Assim, por exemplo, se o bebé nasce a 1 de Dezembro de 2016, a concepção, para efeitos legais (é possível que tal seja excepcionado por fixação judicial da concepção, por exemplo), será estabelecida de entre 4 de Fevereiro e Maio, aproximadamente. Isto significa que se reduz exponencialmente o número de pretensos progenitores da criança. A situação mais comum é aquela em que a mulher indigita alguns candidatos e, assim, em acção de averiguação oficiosa da paternidade (que sucede sempre que seja lavrado registo do menor apenas com a maternidade estabelecida, informando o funcionário do Registo o Ministério Público) o juiz do tribunal de menores poderá ordenar a realização de testes de sangue que comparem o ADN do pretenso pai com o da criança. Não logrando a fixação da paternidade por reconhecimento judicial através da averiguação oficiosa da paternidade pode o filho, maior de idade ou menor, através do respectivo representante legal, intentar uma acção de investigação da paternidade, podendo intentá-la, no caso de existir vários candidatos a seu pai, relativamente a todos eles.


A circunstância em que um pai recusa assumir a paternidade dentro ou fora do casamento constitui uma outra situação, ainda que com contornos distintos. Quando o homem se encontra casado com a progenitora da criança existe uma presunção legal (ainda que ilidível) de que este é o pai da criança, se o bebé foi concebido ou nasceu durante o matrimónio. Ora, perguntam vocês, então e os casos em que a mulher tem uma relação extraconjugal? Nestes casos esta presunção pode ser impugnada judicialmente, tanto pelo marido da mãe, como por esta ou pelo filho. Pode ainda ser intentada pelo próprio Ministério Público a requerimento de quem se declare pai do filho. Pode ainda acontecer que a própria mãe faça a declaração do nacimento e desde logo comunique que o filho não é do marido. Agora, fixando-nos na recusa por parte do marido em acolher aquele filho como seu, se este tiver sido concebido ou nascido na constância do matrimónio, só se se verificar uma das situações descritas ou presentes na lei como o fim da coabitação dos cônjuges, se o nascimento do bebé ocorrer nos 300 dias seguintes a esta findar. Se não existir matrimónio ou situação análoga à dos cônjuges (união de facto) já não existe presunção de paternidade, logo, não havendo perfilhação por parte de quem se diga pai daquele ser vivo, será mais uma vez despoletado processo de averiguação oficiosa da paternidade. Reitero: fica sempre na disponibilidade do filho a possibilidade de intentar acção de investigação da paternidade.




A paternidade tem muitos contornos e não nos podemos ater na regra: a presunção de paternidade de que o pai é o marido da mãe. Às vezes o pai não é o marido da mãe, muitas vezes. Hoje em dia a troca de parceiros, novos relacionamentos, novos modelos de família, geram algumas situações particulares quanto ao estabelecimento da paternidade. Mas a nossa lei não é obtusa: sem ser nos casos de recurso à procriação medicamente assistida pela mulher solteira, que se pretende vir a ser regulada brevemente, a lei dá-nos muitas opções para reconhecer ou impugnar a paternidade. Mais uma vez, imperando o bom senso, as soluções chegam fáceis. Não imperando, não desespere, encontre um profissional qualificado, um mediador de conflitos, um advogado, que o auxiliará em todo o percurso.

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